sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Janela da Paixão do matuto sonhador

Janela da Paixão do matuto sonhador



         Olho pela janela e vejo todos os dias montanhas cinzentas, cortadas por pequenos caminhos, um deles que começa pertinho daqui. Ali uma porteira feita em madeira brava, com barrotes entrincheirados em covas no mourão. Ao lado, mais à cima e a esquerda vejo um mata burro, junto dele um pé de “imbu” perto de uma grande pedra, que em cima dela quase mora Jurema, a cabrinha preta de minha vó, que come as folhas do “imbuzeiro” esticando cada dia mais o seu pescoço.


           Do lado direito, lá no fundo, a bodega do seu Juca, um casarão de três portas, sem calçada, com uma pedra “boliada” que serve de batente da porta lateral direita que é a do comércio. Cana, rapadura, fumo, cocorote, quebra-queixo. Tem de tudo um pouco, só não tem mais porque os meninos, escondidos do seu Juca, comem tudo, quase quebram o pai, vão diminuindo as coisas da bodega. Ele, cochila... vive dormindo, escutando o radinho e se balançando na cadeira. Pichano brinca muito com o pedaço de fuxico caído por detrás dela que vai e vem  e faz o gato passar o dia com o seu Juca, qualquer dia fica sem rabo, tira cada fino o pés da cadeira que nem gosto de olhar.  Quer vê o seu Juca “brabo”, mexa no rádio dele, é o que ele mais gosta no mundo, como vou dizer mais na frente. E o “bixim” sofre demais quando as pilhas estão fracas, sumindo a estação, eu to falando do rádio, leva cada murro de seu Juca que cai a tampa longe!



Sim mas, endireitando a conversa novamente, vejo a mais bela imagem: Maria, áh... Maria, tão bonita, ainda é da família de seu Juca, filha de Damião, Damião de... de Dona Rosa que faz grinalda ali no pé da serra. É a coisa mais bela do mundo, fico todo sofrido quando estou perto dela. Seu Damião bruto daqueles velhos parrudos de barba grande, cara larga... ai quem se meter a besta com ele. E Maria é um doce, não puxa o pai nunca... ela já tem uns quinze anos, nunca foi na feira, ciumeira daquele velho. Mas ele é trabalhador nunca pediu nada a ninguém, sempre tinha suas coisinhas em casa. Um dia vou enfretá-lo, pedir Maria em noivado, qualquer coisa eu tenho perna pra quê? Já tenho dois cilos de farinha, um de feijão e pode botar chão que eu não tem medo de trabalhar. Se o inverno for bom esse ano, vendo e compro um boi cultivador, acho que com ele posso ganhar um dinheirinho prá juntar e mostrar a seu Damião que tenho como sustentar Maria. Não vejo a hora do inverno chegar e poder plantar para começar minha lida. Quer saber como é Maria? É uma cabritinha nova, de cabelo bem pretinho, escorrido, olhos que se esconde do nosso, boca bem vermelhinha.


A voz dela quase não se ouve, vive dentro de um vestido bege. Trabalhadeira... carrega água, lenha, pega galinha, porco, até anda de burro, só em pensar fico doidinho! Da janela desse mundão todo que se vê, só paro prá olhar nesse cantinho aqui, desse lado óh, tá vendo ali? É Maria, olha o vestido balançando, ali, passando agora com um feixe de capim na cabeça. Maria, ô Maria, peraê! Vou ali, fique a vontade aí, olhando a paisagem... Se quiser imaginar não se apresse, pense: Maria, eu e uma penca de meninos, pense... bote aí uns dois cachorro e pronto, eita vai ser bom demais, os meninos correndo por esse sertão, a gente tudo feliz. Mas, feche a janela quando for embora, ô janelinha boa,  a gente vive o futuro espiando dela...


Israel Araújo
Nov. 2016

2 comentários:

Joaria disse...

Grande incentivador da cultura em Cuité! Parabéns, amigo Israel!

Mônica disse...

Coloca de forma singela a vida no campo. Parabéns Israel!!