Janela
da Paixão do matuto sonhador
Olho
pela janela e vejo todos os dias montanhas cinzentas, cortadas por pequenos
caminhos, um deles que começa pertinho daqui. Ali uma porteira feita em madeira
brava, com barrotes entrincheirados em covas no mourão. Ao lado, mais à cima e
a esquerda vejo um mata burro, junto dele um pé de “imbu”
perto de uma grande pedra, que em cima dela quase mora Jurema, a cabrinha preta
de minha vó, que come as folhas do “imbuzeiro”
esticando cada dia mais o seu pescoço.
Do lado direito, lá no fundo, a bodega do
seu Juca, um casarão de três portas, sem calçada, com uma pedra “boliada”
que serve de batente da porta lateral direita que é a do comércio. Cana,
rapadura, fumo, cocorote, quebra-queixo. Tem de tudo um pouco, só não tem mais porque os
meninos, escondidos do seu Juca, comem tudo, quase
quebram o pai, vão diminuindo as coisas da bodega. Ele, cochila... vive
dormindo, escutando o radinho e se balançando na cadeira. Pichano brinca muito
com o pedaço de fuxico caído por detrás dela que vai e vem e faz o gato passar o dia com o seu Juca,
qualquer dia fica sem rabo, tira cada fino o pés da cadeira que nem gosto de
olhar. Quer vê o seu Juca “brabo”, mexa
no rádio dele, é o que ele mais gosta no mundo, como vou dizer mais na frente.
E o “bixim” sofre demais quando as pilhas estão fracas, sumindo a estação, eu
to falando do rádio, leva cada murro de seu Juca que cai a tampa longe!
Sim
mas, endireitando a conversa novamente, vejo a mais bela imagem: Maria, áh...
Maria, tão bonita, ainda é da família de seu Juca, filha de Damião, Damião de...
de Dona Rosa que faz grinalda ali no pé da serra. É a coisa mais bela do mundo,
fico todo sofrido quando estou perto dela. Seu Damião bruto daqueles velhos
parrudos de barba grande, cara larga... ai quem se meter a besta com ele. E
Maria é um doce, não puxa o pai nunca... ela já tem uns quinze anos, nunca foi
na feira, ciumeira daquele velho. Mas ele é trabalhador nunca pediu nada a
ninguém, sempre tinha suas coisinhas em casa. Um dia vou enfretá-lo, pedir
Maria em noivado, qualquer coisa eu tenho perna pra quê? Já tenho dois cilos de
farinha, um de feijão e pode botar chão que eu não tem medo de trabalhar. Se o
inverno for bom esse ano, vendo e compro um boi cultivador, acho que com ele
posso ganhar um dinheirinho prá juntar e mostrar a seu Damião que tenho como
sustentar Maria. Não vejo a hora do inverno chegar e poder plantar para começar
minha lida. Quer saber como é Maria? É uma cabritinha nova, de cabelo bem
pretinho, escorrido, olhos que se esconde do nosso, boca bem vermelhinha.
A
voz dela quase não se ouve, vive dentro de um vestido bege. Trabalhadeira...
carrega água, lenha, pega galinha, porco, até anda de burro, só em pensar fico
doidinho! Da janela desse mundão todo que se vê, só paro prá olhar nesse
cantinho aqui, desse lado óh, tá vendo ali? É Maria, olha o vestido balançando,
ali, passando agora com um feixe de capim na cabeça. Maria, ô Maria, peraê! Vou
ali, fique a vontade aí, olhando a paisagem... Se quiser imaginar não se
apresse, pense: Maria, eu e uma penca de meninos, pense... bote aí uns
dois cachorro e pronto, eita vai ser bom demais, os meninos
correndo por esse sertão, a gente tudo feliz. Mas, feche a janela quando for
embora, ô janelinha boa, a gente vive o
futuro espiando dela...
Nov. 2016
2 comentários:
Grande incentivador da cultura em Cuité! Parabéns, amigo Israel!
Coloca de forma singela a vida no campo. Parabéns Israel!!
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